Uma professora da faculdade propôs que escrevêssemos, em três parágrafos, nossos próprios finais para alguns contos escritos por autores famosos. Eu fiquei com os dois primeiros parágrafos de um conto do Dostoiévski. Nunca tinha lido Dostoiévski antes, mas me interessei pelos dois parágrafos e resolvi aceitar o desafio.
Os parágrafos em negrito são dele e o restante é meu:
O Subsolo
Eu sou um homem doente... Sou um homem malvado. Sou um homem desagradável. Creio que tenho uma doença do fígado. Aliás, não compreendo absolutamente nada da minha moléstia e não sei mesmo exatamente onde está o mal.
Não me cuido, nunca me cuidei, se bem que estime os médicos e a medicina. Demais, sou extremamente supersticioso, o bastante, em todo o caso, para respeitar a medicina (sou bastante instruído: poderia então não ser supersticioso, mas sou). Não! Se não me trato, é pura maldade de minha parte. Não sabereis certamente compreender. Pois bem! Eu compreendo. Não podereis evidentemente explicar-vos em que errei, agindo assim tão malvadamente: sei muito bem que não são os médicos que eu incomodo, recusando-me a tratar-me. Não engano senão a mim mesmo; reconheço-o melhor que ninguém. Entretanto, é mesmo por malvadez que não me trato. Sofro do fígado! Tanto melhor! E tanto melhor ainda se o mal piora.
Penso que sofro também de outras moléstias, mas tem sido difícil para mim detectá-las. Tanto faz! Já estou aqui há alguns dias. Perdi a conta, mas sei que é tempo bastante para que meus pulmões e intestinos tenham me abandonado. Essas roupas de algodão que me deixaram são bem confortáveis. Mas os que estão aqui há mais tempo, disseram que as roupas de algodão se vão mais rápido, o que significa que, em breve, nem minhas roupas terei mais.
O fígado permanece. Posso senti-lo. Ele, que me colocou aqui, será o último a me abandonar. É um fígado doente, porém leal. Ao contrário do resto do corpo, que já está enrugado e amarelo. Mas sou um homem paciente e sei que logo, tudo isso estará acabado. E será bom, pois não terei mais problemas com enfermidades.
Por enquanto, apenas espero e observo, enquanto minha carne serve de banquete. Menos o fígado doente. Está intacto. Penso que isso acontece para que eu tenha tempo de me arrepender pelo fato de não tê-lo tratado. Mas não! Não sou homem de me arrepender. Nem preciso... nem se precisasse! Talvez ninguém entenda esse meu pensamento também. Mas vão entender assim que seus corpos sadios sucumbam a uma hepatite, ou cólera, ou câncer, ou acidente grave... assim que seus corpos, antes sadios, também venham parar aqui no subsolo.